sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Formas de permanecer


Formas de permanecer


Muitas são as formas de o homem permanecer, após o seu material carcereiro se extinguir. Uma delas é no perfume que uma singela flor seca exala.
E na sua relação com quem sobrevive, ou sucede, pode ainda ser objecto de afecto tanto quanto de manipulação, violência, ou abandono.
É o abandono que parece esperar em breve o Menino Hermínio de Azevedo. O leitor, se não conhecer o Cemitério dos Prazeres, estará já a pensar: o homem ensandeceu, quem raio é o Menino Hermínio?
Mas durante gerações não havia quem entrasse pela álea axial do Cemitério cuja atenção não ficasse captiva de uma singela sepultura sempre bem cuidada e ornamentada com flores. Era a sepultura do Menino Hermínio, cuja vida foi precocemente cerceada há quase século e meio, porventura por qualquer enfermidade, na plenitude da infância. A imagem que aqui divulgo dispensa comentários e descrições.
Pois foi assim que o Menino Hermínio permaneceu, nos rituais quotidianos de milhares de visitantes que nem tiveram o privilégio de o conhecer em vida. O Menino Hermínio passou a ser aquela apelativa imagem de Jesus, infante, deitado e adormecido sobre uma cruz, segurando na mão esquerda, abandonada em queda, uma coroa de espinhos.
Pois quem entre hoje no Cemitério dos Prazeres já não verá flores. No pé esquerdo do Menino Hermínio, no local exacto onde, na imagem que divulgo, alguém depositou uma rosa vermelha, penduraram agora, com um arame, um letreiro em lata que reza: ABANDONADO.
Será assim que vai permanecer na nossa derradeira memória?